sábado, fevereiro 22, 2003
Acerca de um prefácio de João Amaral
Comprei recentemente o livro "Crónica de uma Insubmissão" de Cipriano Justo. Aderente da ala "renovadora" (aspas da minha responsabilidade) do PCP, reune neste livro uma série de artigos publicados ou não sobre a contestação interna no Partido Comunista e sobre politica de saude.
Mesmo ainda não tendo concluido a leitura desta obra o que me parece, e não me parece que vá mudar de opinião até ao fim do livro, mais importante e significativo é o prefácio da autoria do, recentemente falecido, João Amaral.
Não resisto a transcrever algumas frases (porque todo o prefácio daria bastante mais trabalho...).
"O 'velho PCP' assume-se como um fim em si mesmo. Não é um instrumento ao serviço dos trabalhadores. É o alfa e ómega da política"
"Olhamos hoje os organismos executivos da sua direcção e vemos com tristeza um terreno árido de burocratas papagueando o mesmo guião de há dezenas de anos"
"O sobrestimar do valor da origem de classe conduziu a um partido desconfiado da autonomia intlectual"
"Ninguém assume responsabilidades, passando-as conforme a época para os inimigos externos (e em primeiro lugar para a comunicação social) ou para um qualquer inimigo interno (...)"
"trata-se (simplesmente) de analisar a evolução da economia e sociedade portuguesa. (...) o resultado de uma análise como esta vai abalar a fortaleza de mitos onde se acolhe o 'velho PCP'."
"A quinta questão chama-se contrucção europeia (...). Para a cultura dominante no 'velho PCP' a União Europeia e as Comunidades são irremediavelmente um processo comandado pelo capitalismo europeu (...). Avanços na cidadania nos direitos sociais são ignorados. Com esta visão, o PCP vai-se colocando sistematicamente contra qualquer novo passo, adoptando um posicionamento caracteristicamente nacionalista."
"As relações de poder no mundo do trabalho vão-se alterando com as alterações no modelo de empresa e nos processos produtivos. Pesam fortemente os avanços tecnológicos."
"No tempo da sociedade de informação e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no tempo em que a Democracia já está consolidada em Portugal e em que já não existe a URSS nem o Pacto de Varsóvia, a organização dos comunistas não pode reger-se pelas regras vigentes logo após o 25 de Abril."
"Se a renovação não for possível, os comunistas saberão refundar o seu partido."
Não sei se dê os (póstumos) parabéns a João Amaral por estas afirmações corajosas e realistas ou se o repreenda por só agora compreender o que os chamados inimigos da classe operária, fascistas, ou qualquer outro mimo como que o normalmente o PCP atribuia aos que externamente o criticavam diziam há tantos anos.
Não sei se ainda há salvação para o PCP (nem estou particularmente interessado nela),
Se o partido seguir na direcção proposta por João Amaral tornar-se-á um apendince esquerdista do PS apenas útil para eventuais maiorias parlamentares. Eventualmente acabará por se dissolver e intergrar o próprio PS tal como fizeram muitos dos anteiores "dissidentes" comunistas.
Se persistir em trilhar este rumo continuará a definhar à medida que novas dissidências roubarem mais eleitores e os seus melhores quadros. Restarão ao PCP personagens como Domingos Abrantes, Jerónimo de Sousa ou o "jovem" Bernadino Soares que dos dois primeiros apenas se distingue pela falta de rugas faciais. O partido será amputado à esquerda pelo BE e à direita pelo PS. Dos eleitores que restarem a lei da vida tratará de os abater aos cadernos eleitorais.
Como já disse o fututo do futuro do PCP não estou minimamente preocupado. Apenas (ainda) me espanto por encontrar quem jure a pés juntos a veracidade da existência dos "Amanhãs que Cantam".
posted by Miguel Noronha 2:11 da tarde
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