quarta-feira, fevereiro 26, 2003
Tempo de Antena da Oposição
Porque não queremos ser acusados de apenas promover o nosso ponto de vista aproveito para publicar um texto de Rui Ângelo Araújo publicado na Zona Non.
Embora Rui Ângelo Araújo exiba uma certa retórica anti-americana (mais anti-Bush para ser exacto) e seja contra esta guerra com o Iraque, não deixa de levantar questão que deveria servir de partida para os que invocam um pacifismo absoluto e simplista (ou deverei dizer simplório) como solução.
Penso inclusivamente que o autor, partindo das suas próprias premissas, deveria reconsiderar a sua posição
"Uma (quase) apologia da guerra
Anda o cidadão pacatamente a fazer pela vida no Portugal dos pequeninos quando de repente é confrontado com a magna questão da guerra. Uma boa alternativa às habituais inutilidades que se debatem na pátria, diga-se.
As guerras têm feito maioritariamente muito mal ao povo português - tão-só porque se têm travado longe daqui. Há, no entanto, benefícios para a lusa pátria provenientes das longínquas guerras, a começarem no período que as antecede. Sempre que no horizonte da política internacional se anunciam batalhas, aumentam as probabilidades do português conhecer o mundo, as instituições e as relações internacionais, a geografia de países distantes, a cultura de outras regiões do globo. Aquilo que antes era umas míseras e chatas colunas nos jornais (o noticiário internacional) passa a ter honras de capa, a ser objecto de páginas e páginas de destaque, a abrir os telejornais, a falar-se no barbeiro. O ignorante português, a desfrutar de uma imerecida segurança, pode nestas alturas subir um degrau no conhecimento do planeta que habita
É isto uma apologia da guerra? Não, mas o que se segue (quase) é.
A primeira reacção que me provocam os anúncios belicistas, especialmente vindos da América, não é uma reacção - é desinteresse. Sou um egoísta acomodado. Sou português. O sr. Bush e companhia resolveram inventar a urgência de um problema mundial? Que tenho eu com isso? É deixá-los. Já conhecemos os seus ímpetos imperialistas, a voracidade da sua economia, o cinismo da sua solidariedade internacional, a "urgência" dos seus problemas.
Não simpatizo com a política americana - mas gosto do cinema de Hollywood, que prefiro ao europeu. Talvez por isso, num segundo momento, a minha paradoxal costela reaccionária sonhe com gestos grandiosos e eloquentes discursos (coisas românticas e quixotescas à Kevin Costner, portanto) capazes de demover o Tio Sam das suas tropelias à paz e à ordem internacionais (e ao meu sossego). Junto a minha voz ao coro de protestos e quase me deixo assinar a carta de Mário Soares.
Mas há uma campainha que soa quando vejo as sondagens. A maioria dos portugueses está contra a guerra? Alto lá! A maioria dos portugueses gosta do Bombástico. A esmagadora maioria dos portugueses costuma estar do lado errado dos debates. A esmagadora maioria dos portugueses costuma discordar de mim. A guerra há-de ser uma coisa boa, afinal. Uma volta de 180 graus. Está na hora de olhar para o problema a sério.
Posta de lado, por enquanto, a veracidade da urgência que transforma o affaire Iraque num casus belli, interroguemo-nos (plural majestático): o que está realmente em causa nesta pré-guerra? A ânsia imperialista americana? O domínio dos poços de petróleo? A insanidade e a jactância do imbecil Bush? A vontade de dividir a Europa para continuar a reinar? O proselitismo religioso? A civilização ocidental versus a árabe (islâmica, muçulmana)? O perigo de ataques iraquianos? O terrorismo? A segurança ocidental, portanto? A libertação do povo iraquiano? A necessidade de levar a democracia àquela região do globo? Mesmo sob o perigo de me acusarem de não saber distinguir a árvore na floresta, anuncio que está tudo isto em causa, e é assim que deve ser.
A Europa, a velhíssima e queridíssima Europa, pode e deve estar contra os ímpetos belicosos dos Estados Unidos. Pode e deve procurar alternativas à política fanfarrona de mister Bush. O que não pode é só estar contra a política dos EUA. Nem, como a Alemanha e a França, ser contra por veleidades hegemónicas próprias, que são só outra forma de egoísmo internacional.
Provavelmente, o Iraque não é, para o Ocidente, um problema com urgência. Ou então é-o tanto como a Coreia do Norte, por exemplo. De qualquer modo, não antevejo que a solução seja desatar à estalada de um dia para o outro, ainda que tenhamos presente, como é bom ter sempre, a história da ascensão e glória de herr Hitler. Mas o pacifismo tem de se fundar em argumentações sérias, reflectidas e verdadeiramente solidárias. O pacifismo não pode ser a face rosácea do comodismo e do egoísmo. Quando me dizem que a maioria do povo português está contra a guerra, desculpar-me-ão, mas não vejo aí razões de orgulho nacional. É conhecer este povo, a sua ignorância do mundo e o desinteresse que tem por tudo o que não cabe num profundo umbigo. A dúvida que vale é sobre as razões do pacifismo europeu (e americano); o que importa é saber se são semelhantes às da versão lusa. Porque, se forem, devemo-nos preocupar.
A Europa, se quiser contar, tem o dever de construir uma política alternativa à dos EUA. Mas uma política interventiva. Não só pela segurança europeia (o terrorismo não é uma criação de Hollywood, mesmo que a América tenha a sua quota parte nas causas e seja ela o símbolo recolector de todos os ódios). Não só pela defesa da civilização ocidental (que apenas por insensibilidade ou incrível relativismo cultural alguém pode colocar lado a lado com a civilização dos fundamentalistas enturbados). A Europa precisa de uma política interventiva se quiser fazer jus aos seus valores e princípios, se quiser realmente que a solidariedade tenha significado internacional, se quiser que os direitos humanos (a começar pelos das mulheres) sejam universais, válidos em todo o globo, se se preocupar a sério com a falta de democracia no Médio Oriente.
A Europa não pode ser uma reacção. Da mesma maneira que a esquerda não pode ser folclore, uma multidão em constantes manifs. Reaccionárias. Não existirão (não existem, certamente) razões para bombardear Bagdad. A América tem "urgências" condenáveis e gere criminosamente os seus interesses internacionais. Verdade. Mas, ou a Europa se torna algo mais ágil e consequente do que a lua de Júpiter, ou aceita bater palmas no 4 de Julho. E a esquerda, para continuar a morigeração, deveria preocupar-se (efectivamente, sem a retórica inútil do costume, sem a sensibilidade que desculpa o garrote com o exótico e a especificidade do turbante) com o fim dos regimes das arábias. As mil e uma noites a nós divertem-nos, mas para aquela gente já é escuridão a mais"
posted by Miguel Noronha 4:51 da tarde
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