segunda-feira, setembro 29, 2003
O Cara do Martelo
Crónica de Percival Puggina no Parlata.
"Quando a gente não quer fazer algo, qualquer desculpa serve". A guerra dos transgênicos me faz lembrar essa anedota
Um granjeiro vai ao vizinho pedir emprestado um martelo. O vizinho o recebe na porta e responde: "Não vai dar. Minha mulher precisa ir à cidade comprar um presente de casamento". O sujeito, surpreso, interroga: "E o que uma coisa tem a ver com a outra?" Ao que o dono do martelo esclarece: "Quando a gente não quer fazer algo, qualquer desculpa serve". A guerra dos transgênicos me faz lembrar essa anedota.
Há mais de dois anos, José Bové foi levado a Não-Me-Toque por um grupo de parceiros que, sob seu patrocínio publicitário, destruíram uma lavoura experimental. Feita a encenação, de volta a Porto Alegre, Bové foi recebido com beijos e abraços no Palácio Piratini. Agora, os mesmos caras que destruíram os experimentos alegam que tais produtos devem ser objeto de mais prolongadas pesquisas.
Mesmo assim você pergunta quanto tempo a mais de pesquisas ele quer, posto que elas já foram feitas, que a poderosa e rigorosa FDA norte-americana as acompanhou e autorizou a comercialização desde o início da década de noventa e que nenhuma instituição técnica (CNTBio incluída) apontou qualquer evidência ou possibilidade de dano ou risco de dano à saúde humana. Mas o interesse do cara não é esse e ele nem responde.
Esnucado, parte para os royalties, alegando que quem usar sementes geneticamente modificadas precisará pagá-los ao fornecedor. Até as pedras sabem, e os agricultores mais ainda, que a opção por tais sementes decorre do alto preço dos herbicidas, mas se você apresentar esse argumento, o cara do martelo salta para a questão do mercado.
"O mundo não quer comprar esses produtos", diz. "Vamos plantar e não vamos poder vender". "A área com soja transgênica teve uma redução de cinco por cento nos EUA, neste ano". No fundo, ele sabe que não existe diferença de preços entre transgênicos e não-transgênicos, que até a União Européia (terra dos fornecedores de herbicidas que financiam a campanha contra os transgênicos) já autorizou sua aquisição e consumo. Ele sabe. Sabe, também, que se houver restrições de mercado ou diferença significativa de preço, basta retornar ao sistema anterior. Mas está se lixando para isso. Está se lixando tanto que passa a dizer que é um caminho sem retorno, embora tenha acabado de afirmar que a área plantada nos EUA teve uma redução de cinco por cento.
É difícil argumentar com o cara do martelo. Ele não se constrange, nem mesmo, em insinuar que transgênicos causam AIDS ou que estão na origem da doença da vaca louca.
posted by Miguel Noronha 5:58 da tarde
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