O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

O Intermitente
(So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

quarta-feira, novembro 12, 2003

A Liberdade Sob Sequestro

Artigo de José Manuel Fernandes no Público.

Não sei exactamente em que ano foi, mas calculo que tenha sido por altura da crise de 1969, teria eu uns 12 anos. Numa viagem a Coimbra, onde o meu pai se deslocava com regularidade, resolveu levar-nos a dar uma volta pela "alta" da Universidade à noite. De carro. Que foi todo o tempo seguido por outro carro, um "nívea" da PSP, como na altura eram conhecidos os Volkswagen Carocha daquela corporação. Três anos mais tarde, quando, depois do assassinato de Ribeiro Santos por um agente da PIDE, numa reunião de estudantes comecei a militar no movimento associativo, as histórias dessa crise estudantil e dos confrontos com a polícia passaram a integrar o meu imaginário. E sabia muito bem por que motivo a academia coimbrã passara a considerar que qualquer intervenção policial no seu espaço era um tabu.

Mais de trinta anos depois e quando Portugal é uma democracia consolidada onde existem leis e uma Constituição para cumprir, os acontecimentos da última semana impõem uma interrogação: será que o tabu não passa hoje de uma forma de contemporizar com uma situação de "far-west" instalada no local mais nobre e simbólico da Universidade, a secular Porta Férrea? Será que a "alta" de Coimbra, onde em 1969 não se podia circular sem se ser seguido pela polícia, é hoje um espaço fora das leis da República, onde estas não se aplicam e onde ninguém tem força, ou vontade, ou autoridade para as fazer aplicar?

Participei, antes do 25 de Abril, em piquetes de greve e tive muitas vezes de fugir da polícia por fazê-lo. Nesses piquetes não impedíamos ninguém de ir às aulas ou a exame, apenas tentávamos convencer os colegas, e tínhamos de fazê-lo às escondidas. Era difícil e perigoso, mas valia a pena.

Fechar a cadeado as portas de uma universidade é fazer exactamente o contrário. É ter medo de não se ser apoiado pelos estudantes. É impor-lhes pela força o que provavelmente não se obteria pela persuasão. E não é fazer greve, é organizar um "lock-out", algo que Constituição proíbe. Não é um acto de coragem, mas um sintoma de cobardia.


Para além do mais, é um crime previsto e punido pelo Código Penal, como nesta edição recorda Vital Moreira, alguém que conheceu as lutas estudantis no tal tempo em que os "níveas" não deixavam a "alta" de Coimbra.

Por isso as autoridades académicas, mesmo podendo discordar das leis em vigor (como é o caso do reitor, Seabra Santos), têm de fazer mais do que enviar uns bombeiros ou um grupo de funcionários e, depois, declararem-se impotentes: cabe-lhes assegurar que os serviços funcionam, que os professores podem trabalhar e que os estudantes tanto podem fazer greve como ir às aulas, tanto podem manifestar-se como passar o dia a estudar.

A liberdade por que lutaram gerações de estudantes não pode agora ser raptada, sequestrada, por grupos que julgam que têm todos os direitos e nenhuns deveres. E que julgam poder fazer tudo impunemente



posted by Miguel Noronha 10:11 da manhã

Powered by Blogger

 

"A society that does not recognize that each individual has values of his own which he is entitled to follow can have no respect for the dignity of the individual and cannot really know freedom."
F.A.Hayek

mail: migueln@gmail.com