O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

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quinta-feira, novembro 27, 2003

O Défice

O artigo de Pacheco Pereira hoje no Público, é até agora o único (que eu tenha conhecimento) que diz o que deve ser dito e faz as perguntas certas sobre a âmbigua posição do Governo português no Econfin.

Eu não sou economista e por isso o que diga sobre as vantagens ou malefícios do pacto, sobre a existência ou não de défices meritórios, não tem nenhuma autoridade especial. Mas basta o mínimo bom senso para perceber duas coisas: uma é que não há moeda europeia estável sem controlo do défice, em particular dos grandes países europeus; outra é que em Portugal o estado gasta mal e demais e não há reviravolta possível na nossa economia e na nossa sociedade sem haver contenção e racionalidade nas despesas do Estado.

Foi contra tudo isto que Portugal votou, ao caucionar o défice que a França e a Alemanha têm tido, à revelia das suas obrigações pactuadas. Foi como se o Governo votasse contra si próprio e a favor da política que a oposição defendeu quando da última discussão do Orçamento. Gerou uma mensagem política de confusão e hesitação, que pagará caro. Já está a pagar porque deu uma janela de oportunidade ao PS e enfraqueceu o membro do Governo mais forte e a face pública da sua política, a ministra das Finanças.

Não há nada de virtuoso no défice franco-alemão. Nem a França, nem a Alemanha estão a gastar mais dinheiro para fazerem reformas estruturais que permitam no futuro vir a gastar menos. Estão a fazer aquilo que a oposição pede em Portugal que se faça, a gastar dinheiro para travar o desemprego, para minimizar custos sociais, para manter, sob o influxo dos investimentos públicos, um crescimento económico dependente do Estado. Ou seja, tudo o que é perverso nos mecanismos que geram o défice, tudo o que o Governo se tem recusado a fazer com o argumento de que isso só aumenta o preço da dívida que gerações futuras terão de pagar. Ou seja, Portugal caucionou que o Pacto de Estabilidade não se cumpra na Alemanha para que não haja desemprego e cumpre-se em Portugal mesmo que haja desemprego.

Quem pode acompanhar a política interna nesses países, vendo como os seus responsáveis falavam aos seus concidadãos, pôde verificar a enorme arrogância com que esta questão foi apresentada. Campeões do europeísmo, "motores" de uma certa ideia de integração política da Europa, responsáveis políticos franceses e alemães tratavam com arrogância o seu direito natural de violar o Pacto de Estabilidade, conscientes de que ninguém os poderia meter na ordem. Sempre com a boca cheia da Europa, usavam para justificar as suas políticas expansionistas argumentos de pura política interna: não estavam dispostos a ter mais desemprego, nem conflitualidade social, lá porque tinham assinado um pacto que, pensavam, se destinava apenas a pôr ordem nos países pequenos e esbanjadores do Sul.

(...)

Parece que nos cansamos de fazer esforços autónomos para garantir uma economia saudável e aberta, porque este voto é o primeiro sinal preocupante de que a "obsessão" da nossa ministra das Finanças não é a do Governo. É por isso que uma dúvida paira sobre toda a política identitária deste Governo: vai continuar a vontade de endireitar as nossas contas públicas ou paramos no limiar do momento em que não basta aumentar as receitas, mas é preciso fazer reformas estruturais para controlar as despesas? Vai-se encontrar pretextos para preparar um ciclo eleitoralista de despesas, deitando fora os magros resultados até agora obtidos na contenção despesista do Estado? Continuam a ser os fundos estruturais a condição "sine qua non" da nossa política externa?

O ano de 2006 está próximo e será quando Portugal vai ter de se defrontar com um balanço desapiedado sobre o que fez com o longo ciclo de generosas ajudas europeias, que aí termina em grande parte. A partir daí dependemos ainda mais do que formos capazes de fazer. O Governo de Durão Barroso é o da última oportunidade. Hesita e perde-se, persevera e ganha.


Nos ultimos dias li artigos e opiniões de "conceituados" economistas que primam pela irresponsabilidade. Mesmo não sendo economista, Pacheco Pereira, acertou em cheio.
posted by Miguel Noronha 10:32 da manhã

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