O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

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quinta-feira, novembro 13, 2003

O que pensam os europeus

Artigo de Francisco José Viegas no Jornal de Notícias.

Não. Não penso que Israel seja a maior ameaça à paz mundial. Parece que grande parte dos meus concidadãos europeus (conforme se lê numa sondagem realizada recentemente) pensa precisamente o contrário ? que Israel constitui uma ameaça superlativa. Não é a primeira vez que o manifestam, mas a Europa não é precisamente a pátria de todas as virtudes ? embora possa ser a da correcção política contemporânea. Compreendo a ideia: se a simples existência de Israel constitui um "facto errado" para os países da região, a Europa não está disposta a pagar o preço dessa sobrevivência. Dentro de fronteiras, a Europa já tem problemas que cheguem. Já teve problemas nos Balcãs e não conseguiu resolvê-los.

Não penso que os resultados da sondagem revelem algum índice escandaloso de anti-semitismo e suponho mesmo que é errado invocar o anti-semitismo a propósito do assunto. O anti-semitismo não se apura nas sondagens, mas em factos relativamente isolados como a morte de um estudante judeu durante uma manifestação parisiense contra a guerra no Iraque ou naquela fotografia publicada no "The Guardian", pela mesma altura: uma estudante segura um cartaz onde se lia "morte aos judeus", e a legenda dizia "manifestação pela paz no Iraque". Isso, sim, são revelações. Na verdade, os dados apurados nessa sondagem revelam apenas comodismo e aquele nível de sensatez que se aproxima perigosamente da indiferença, para não dizer covardia. Israel é uma democracia, com Imprensa livre e uma história conturbada desde que David Ben-Gurion leu a declaração de independência há mais de meio século. Desde essa altura que a existência de Israel é uma ameaça; só assim se compreende que, horas depois dessa declaração, o país tenha sido invadido por cinco exércitos de cinco países da região e que, por sucessivas vezes, tenha sofrido agressões sempre desculpadas em nome do petróleo e das conveniências políticas mais imediatas. Esses dados são frequentemente incómodos, mas devem ser invocados, mesmo quando não se concorda com as políticas militares do actual Governo israelita.

A Europa ainda não compreendeu o fenómeno do terrorismo. Prefere planar à sua volta. Submergida pela cultura da vitimização e pela ideia da imprescindibilidade do seu conforto, prefere desculpabilizá-lo e encontrar razões para justificar os atentados, seja numa rua de cafés literários de Telavive (reivindicada pelo Hamas), seja num bairro residencial de Riyad, seja numa universidade de Jerusalém, seja nas instalações da ONU ou da Cruz Vermelha, em Bagdade. Desde que seja longe e que se possam atribuir responsabilidades a alguém igualmente distante. Essa atitude tem permitido a sobrevivência de pequenos tiranetes de um e de outro lado do centro político.

Os países árabes da região nunca quiseram realmente um estado palestiniano ? não o quiseram desde 1947, quando a ONU o permitiu. E foi graças a esse cerco permanente (e aos ataques sucessivos que lhe dirigiram) que Israel se transformou numa potência militar e num campo fértil para o extremismo e fundamentalismo judaicos. Esse extremismo contraria, evidentemente, toda a mensagem e todo o projecto inicial da existência do estado de Israel ? mas também ele é o resultado desse cerco e da pressão terrorista excercida dentro das suas fronteiras e permanentemente desculpada pela melhor consciência europeia.

O grande perigo de muitos comentadores desta sondagem foi confundir "shalom" com "Sharon".

posted by Miguel Noronha 5:09 da tarde

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