quarta-feira, dezembro 31, 2003
A Democracia "Directa"
Excertos do artigo de Miguel Poiares Maduro no Diario de Notícias.
[A] democracia directa não é necessariamente a forma ideal de democracia. É verdade que o ideal democrático se exprime numa ideia da mais ampla representação e participação possíveis. Mas não basta permitir a participação de todos, é necessário definir quem são esses todos, como podem efectivamente participar, até que ponto a participação deve atender à intensidade dos interesses afectados, etc. O verdadeiro ideal democrático inclui assim objectivos de equilíbrio entre o grau de participação e a qualidade da mesma, entre a extensão dos interesses representados e a intensidade da sua participação, entre a promoção das decisões maioritárias e a satisfação dos interesses de todos.
Um dos riscos dos mecanismos da democracia directa é a promoção das denominadas decisões de soma zero. Num referendo ou numa sondagem existe um confronto de alternativas puras e só uma prevalece. Quem ganha, ganha tudo, quem perde, perde tudo. Ao contrário, o sistema representativo tende a promover decisões mais moderadas. Uma vez que as maiorias representativas não são estáveis e a negociação é possível, aqueles que ganham, temendo vir a ser um dia parte de uma minoria, estão mais abertos a compensar os perdedores. As decisões são assim mais democráticas, pois atendem aos interesses de um maior número de cidadãos e não apenas aos de uma maioria conjuntural.
Um outro problema frequente nas formas de democracia directa é a sua captura por certos interesses concentrados e organizados. A participação não depende apenas da possibilidade de participar. Ela está sujeita aos custos dessa participação (p. e., informarmo-nos) e do seu potencial benefício (o impacto da decisão nos interesses que nos afectam). Nestas circunstâncias, abrir o sistema político à participação directa pode significar apenas que ele será controlado pela pequena minoria com a motivação e capacidade suficientes para participar. Se os muitos não tiverem consciência dos seus interesses numa certa matéria ou acharem que, individualmente considerados, eles são pouco relevantes, o mais provável é deixarem a decisão nas mãos de uns poucos. Este problema levou Madison a defender que, em certas circunstâncias, é mais democrático proteger e isolar o sistema político de pressões externas imediatas. De forma semelhante, Popper identificava a democracia com a possibilidade de mudar de Governo com uma certa periodicidade e não com a participação em decisões concretas. Inerente aos mecanismos de democracia directa é também a descontextualização das decisões políticas. Pede-se que nos pronunciemos sobre certas decisões fora do contexto exacto em que elas têm lugar
Uma pequena adenda ao artigo de MPM. A verdadeira "revolução" democratica consistiria na devolução pelo Estado, aos cidadãos, do poder de decisão em inumeras áreas (educação, saúde, pensões, etc.) em que estes, pelo seu melhor conhecimento específico, são capazes de tomar decisões mais apropriadas.
posted by Miguel Noronha 11:18 da manhã
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