O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

O Intermitente
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sexta-feira, dezembro 12, 2003

Socialismo e Liberalismo

Artigo de Rubem de Freitas Novaes (Economista Doutorado pela Universidade de Chicago).

Roberto Campos costumava qualificar de canalhas os indivíduos que não tivessem manifestado simpatias pelo socialismo na juventude; e de idiotas aqueles que mantivessem o credo intacto na idade adulta. Embora as exceções sejam muitas, é impressionante o número de pessoas, e até mesmo de instituições, que obedeceram a esta tendência anti-intervencionismo estatal ao longo da vida. Lula e o seu PT certamente respeitam mais os mercados hoje do que ontem. Fernando Henrique, Pedro Malan, Delfim Netto, Roberto Campos e até mesmo Olavo de Carvalho e Denis Rosenfield, para citar apenas alguns entre os nossos compatriotas ilustres, flertaram com o socialismo quando jovens e dele se afastaram, em diferentes graus, com o passar do tempo. Por que pessoas tendem a caminhar nesta direção? Que razões e motivações as empurram?

Numa hipótese de mais agrado aos socialistas, indivíduos combinam diferentes dosagens de altruísmo e egoísmo, que se alteram no tempo transformando os ideais. Os jovens, mais puros e sonhadores, se sensibilizam em maior escala com as diversas desigualdades da vida. Com o passar dos anos, alguma influência sobre a química interna, ou sobre os circuitos do cérebro, vai alterando as proporções existentes de egoísmo e altruísmo de tal sorte que adultos, mais suscetíveis às ?fraquezas? da alma humana (ambição, cobiça etc.) tornam-se cidadãos mais ?duros? e individualistas, afastando-se do socialismo.

Outra hipótese, bem mais plausível a meu juízo, indicaria que o real fator de atração do ser humano para os ideais liberais é o conhecimento acumulado através do estudo e/ou da experiência de vida. O liberalismo representaria um degrau superior na escala do saber humano. O socialismo, pródigo em boas intenções, é muito pobre na geração de conseqüências positivas. Assim, a verificação dos melhores resultados do capitalismo, em particular, e do liberalismo, em geral, acabaria por moldar a mente daqueles que avançam no conhecimento histórico e na experiência do cotidiano.

Da mesma forma como no plano individual, também no plano coletivo os conceitos relativos ao socialismo têm evoluído no tempo. Não se vê mais qualquer partido político importante pregando a extinção da propriedade privada ou a estatização dos meios de produção, como outrora. Socialistas hoje limitam-se a propor mecanismos de intervenção para corrigir o que consideram ser imperfeições do mercado e a extrair o máximo de recursos do setor privado para tentar melhorar a distribuição da renda e da riqueza. As experiências do passado foram madrastas com eles em todos os testes históricos que permitiram comparações pertinentes entre regimes econômicos. Perderam onde quer que se tenham confrontado com regimes capitalistas. E o que é pior: onde quer que tenham assumido o poder, perdeu a democracia e ganhou o autoritarismo. Convencem-se hoje, meio constrangidos, que se o discurso socialista pode ainda ser efetivo para ganhar eleições, não mais serve para governar. Com isso, deixam no ar algumas sérias dúvidas sobre os rumos futuros de nosso país.

Estando no poder e não mais podendo defender o modelo socialista, muitos adeptos dos partidos de esquerda, em lugar de explicitar um projeto para o futuro, limitam-se a atribuir todos os males do país ao neoliberalismo, aderindo à campanha do ?não levamos, mas eles não levam?. Esquecem propositalmente que nossos últimos governos nunca deixaram de sufocar o setor privado (tendo apenas trocado o capitalismo de Estado e a regulamentação excessiva, setor por setor, por um crescimento espantoso dos orçamentos públicos e da carga tributária) e que ninguém será tolo a ponto de aceitar, a não ser por alguma disfunção intelectual, que possa ser considerado liberal um governo que gasta 40% do PIB, e ainda dispõe da força do Banco do Brasil, do BNDES, da Caixa Econômica e de muitos outros instrumentos para agir sobre a economia. É tempo de sepultar críticas ao passado e de construir um futuro previsível. Se a proposta de governo é nova e contém mudanças na direção do socialismo, que se tornem transparentes, então, as bases da sua estratégia de desenvolvimento.

Parece, entretanto, que não se quer mexer nos fundamentos da atual política econômica, que trata com respeito (ou temor) alguns (mas não todos) postulados de uma economia de livre mercado. Neste caso a equipe que cuida da macroeconomia precisará contar com o apoio de medidas eficazes no campo da microeconomia, onde milhares de decisões importantes são tomadas no dia-a-dia. Não faz qualquer sentido deixar que setores críticos como a infraestrutura e o desenvolvimento agrário, por exemplo, sejam conduzidos por quem não acredita minimamente nas vantagens e princípios do capitalismo e não transmite, portanto, confiança ao empresariado produtor e investidor. Nossos governantes maiores não podem desconhecer que um grande somatório de pequenos erros nos diversos escalões ministeriais pode comprometer todo o esforço organizador de nossas contas públicas e conduzir a economia brasileira para o atraso.

Problemas de maior monta poderemos sofrer, ainda, se o nosso governo, paralisado pela falta de confiança nas teses históricas da esquerda, estiver simplesmente abdicando de apresentar qualquer formulação econômica clara, seja no sentido do liberalismo, seja no sentido do aprofundamento do intervencionismo estatal. Tomado por contradições, ampliaria o enorme fosso que vai dos discursos e da propaganda oficial à dureza da realidade, importando-se apenas com a conquista do poder pelo poder. Nestas condições, somente a face cruel do socialismo ? o seu lado autoritário ? se imporia, no esforço prioritário de manutenção do partido dominante nas alturas do Olimpo.


Embora RFN se esteja a referir à realidade brasileira a validade das suas constatações é bastante alargada.
posted by Miguel Noronha 5:16 da tarde

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