sábado, janeiro 10, 2004
Casa Pia
Sobre o supracitado "caso" Alberto Gonçalves assina uma das mais acertadas crónicas dos ultimos tempos no Correio da Manhã.
O que é mais grave? E mais estúpido? Escrever uma carta anónima em que se chama o dr. Jorge Sampaio, além de outras pessoas públicas, à história da Casa Pia? Anexar a dita carta ao processo? Seleccionar cuidadosamente dois nomes e soprá-los pela imprensa? Aceitar a selecção e divulgá-la? Escrever, em consequência, setenta artigos indignados acerca da crise da Justiça, das nuvens que ameaçam o regime e blá, blá, blá? Ser Presidente da República e fazer uma intervenção específica sobre a matéria?
É difícil avaliar a gravidade. Não é tão difícil medir a estupidez. Das acções acima, algumas são de autoria desconhecida (a carta, a violação do segredo de Justiça), pelo que se torna ingrato comparar os resultados suscitados com os objectivos pretendidos. Os restantes gestos variam entre o altamente discutível e o refinado absurdo, como a circunstância de um chefe de Estado elevar uma "denúncia" anónima a tema de comunicado oficial. Ou, já agora, o facto de o Parlamento, numa elegia à separação de poderes e inspirado pela perpétua indignação do dr. Alegre, debater a alegada exibição de alegadas fotografias, durante os inquéritos às testemunhas.
Não é só a unanimidade que é burra, como pretendia Nelson Rodrigues: o folhetim "Casa Pia", que tem erguido robusto monumento à asneira, é plural até dizer chega. Qualquer um (e aqui a expressão tem sentido literal), guiado por insidiosos propósitos ou cândida convicção, escolhe um método e um alvo. Em seguida, desata a disparar.
Os tímidos escrevem cartas e largam informações. Alguns, a minoria ruidosa, voltam a artilharia para o dr. Souto Moura, o procurador João Guerra ou o juiz Rui Teixeira. Outros suspeitam da defesa dos arguidos. Outros ainda atiram-se fatalmente aos media, com palpites de censura e tudo. O bom povo culpa o "Bibi", os políticos, a "pouca-vergonha", a humanidade em geral. E o PS insiste no famoso lamento contra desconhecidos, popularizado como "A Cabala". Pelo meio, ninguém percebe nada, e é possível que a incompreensão absoluta seja mesmo a finalidade do exercício.
Sugere-se, no entanto, relativa calma. O tiroteio diário em que o processo da pedofilia se transformou não vai acabar com o regime nem destruir de vez o sistema judicial: por este andar, vai apenas reduzir o processo da pedofilia a coisa nenhuma. Eis um desfecho que uns tantos sonharam e muitos temeram. Mas para o qual, salvo raras excepções, todos terão contribuído.
posted by Miguel Noronha 2:49 da tarde
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