sexta-feira, julho 16, 2004
A Amizade Política
Excerto do artigo de Alberto Gonçalves no Correio da Manhã.
Para revolta de alguns socialistas (e alegria de outros tantos), o próximo Governo foi literalmente arrancado a Ferro. O raciocínio, de tão linear, comove: houvesse eleições antecipadas e o PS repetiria a vitória das "europeias", atingindo a maioria absoluta ou uma coisa parecida, resolúvel mediante acordo com o Bloco. Sem tempo para congressos, a inércia partidária elevaria o dr. Ferro a primeiro-ministro, cargo que ele desempenharia durante quatro, oito ou dezasseis anos, transformando o Estado num monumento à preocupação social e à bancarrota. Certos portugueses teriam ficado felizes. Sobretudo os que na noite de sexta vertiam ódio - o ódio que apenas a "traição" de um camarada suscita. Quer a demissão do dr. Ferro, quer a maioria dos desabafos subsidiários revelavam que a decisão de Sampaio foi levada à conta de decepção pessoal. Toda a gente percebia que a legalidade e a legitimidade protegiam o PR, fosse qual fosse a sua opção. A direcção do PS confiava nos privilégios da intimidade.
Apesar de tudo, é credível a amizade entre políticos. Mas é curioso que, na primeira ocasião, essa amizade sirva para uso institucional. Insisto: nenhum dos irados socialistas soube apresentar razões que contrariassem os critérios de Sampaio, cuja natural subjectividade, aliás, jamais se prestou a uma discussão razoável (em ambos os lados). Palavras como "desilusão" e "arrependimento", os sentimentos agora em voga, não integram o léxico do debate técnico. O "argumento" da parte destroçada do PS resumia-se à facilidade de décadas em tomar uma bica com o Sampaio, pá. E um argumento desses, pá, merece escasso crédito.
posted by Miguel Noronha 11:08 da manhã
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