O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

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terça-feira, janeiro 25, 2005

O Bloco Central sempre existiu

Artigo de Luciano Amaral no DN.

al se menciona o "Bloco Central", ou o "Pacto de Regime" (outra expressão para designar o mesmo ente), logo se exalta a classe política e mediática. Uns (a começar no nosso doce Presidente da República), invocam a sua impreterível necessidade. Outros (a começar noutro, menos doce, presidente, o do Governo Regional da Madeira), afirmam a sua abominação pela coisa. Para uns, problemas nacionais como a estabilidade política ou o défice, só assim podem ser resolvidos. Para outros, estaríamos perante uma intolerável perversão da nossa esplêndida democracia.

Estes louvores e receios são despropositados. Pela razão simples de que o Bloco Central, ou Pacto de Regime, sempre existiu e está entre nós desde pelo menos 1980. Confundir o Bloco Central apenas com o Governo de 1983 a 1985 é um equívoco essencial. O Bloco Central instalou-se no dia em que Sá Carneiro morreu e assenta na (e tem por missão preservar a) Constituição de 1976 e o que ela representa uma sociedade e uma economia estatizadas, que não podem ser reformadas. Uma social-democracia e um welfare state que nunca foram grande coisa, agora claramente disfuncionais, e (o que é mais) muito brevemente inviáveis. O PS nunca quis mais do que isto. E, a partir do dia em que caiu o avião em Camarate, o PSD também não.

É errado pensar que Cavaco trouxe qualquer ruptura liberalizadora. Cavaco teve condições políticas como ninguém (dez anos no Governo, oito dos quais em maioria absoluta), daí não tendo resultado qualquer reforma substancial. Houve as privatizações, é certo. Mas elas foram feitas por pressão da "Europa". Deve-se às privatizações (juntamente com o dólar e o petróleo a baixo preço, mais os subsídios europeus) a única grande obra cavaquista a redução dos défices orçamentais, da dívida pública e da inflação, permitindo a inserção do escudo na moeda única e meia dúzia de anos de crescimento económico a fazer recordar a década de 60. Mas convém lembrar que, ainda antes do esbanjamento guterrista, também Cavaco aproveitou a folga para aumentar lautamente o número e a remuneração dos funcionários públicos. Diminuindo do lado da propriedade, o Estado aumentou pelo lado da despesa. Resolvido o caos financeiro da revolução, preparou-se o caos financeiro em que vivemos. Nem as coisas poderiam ter-se passado doutra maneira, com o outro lado do Bloco sentado na Presidência da República, na pessoa de Mário Soares. Quereria Cavaco ir mais longe? Não é de crer, a avaliar pelas suas recentes declarações, em que afirma não ser de "direita", mas "social-democrata", tudo menos "liberal" ou "conservador". E mesmo que quisesse, Soares e o Tribunal Constitucional nunca deixariam.

O PS e o PSD são o núcleo disto, mas os outros partidos "respeitáveis" também contribuem para isto. O PCP já desde muito antes da queda da URSS que desistiu da instauração do comunismo. A social- -democracia coxa das "conquistas de Abril" é aquilo a que pode aspirar. Por isso, funciona como seu guardião moral. Enquanto o PS de vez em quando trai "Abril" (no fundo, para o viabilizar, pelo menos transitoriamente), o PCP "defende-o". O CDS não passa de um ornamento, à direita, do cenário. Absorve a velha direita bem-nascida, que, reconheça-se, também precisa de representação, e caracteriza-se (desde que Amaro da Costa pereceu no mesmo fatídico avião) por ser incapaz de produzir uma única ideia digna de registo. Enfim, o BE desde que os paraísos albanês e chinês caíram de avião, descobriu um arrebatamento social-democrata, a que anexou um lenitivo folclore de costumes (por ordem alfabética, aborto, droga e homossexualidade). Nenhum destes figurantes põe em causa o Bloco Central.

De tudo isto resulta que pedir ao PS e ao PSD para resolverem o problema das finanças públicas é convidá-los ao suicídio. O que (para pôr as coisas em termos moderados) no mínimo não é curial. Resolver o problema das finanças públicas já não corresponde apenas a pôr as rubricas do Orçamento contabilisticamente certas. Resolver o problema das finanças públicas significa rever de alto a baixo o funcionamento dos sistemas de ensino, saúde e segurança social, as maiores rubricas do Orçamento, que hoje impedem contas equilibradas e cujo potencial de crescimento é virtualmente ilimitado. Significa também eliminar a principal fonte de criação de clientelas, no funcionalismo público. Resolver o problema das finanças públicas significa acabar com o regime da Constituição de 76, o tal welfare state disfuncional. Significa, em suma, acabar com o "Bloco Central".

Vendo bem, PS e PSD até poderiam acabar com ele. Mas deixariam então de ser o que são. Teriam de se liquidar a si mesmos, dando origem a algo de inteiramente novo. Provavelmente, seria até do interesse nacional que o fizessem. Mas, provavelmente também, o interesse nacional talvez já não coincida com o seu.


(agredeço ao Carlos a chamada de atenção para este artigo)
posted by Miguel Noronha 3:08 da tarde

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