quinta-feira, março 04, 2004
Lições
Ainda Desagradado com o fim da Voxx e da Luna o Daniel Oliveira (DO) aproveita para me dar uma lição sobre a doutrina liberal nestas materias. Não sei que autores ele consultou mas as suas conclusões parecem diferir das das minhas fontes.
Comecemos pelo fim. Diz o DO:
Todos os países capitalistas mais desenvolvidos têm leis anti-trust (na comunicação social e em todas as actividades) e contra compras hostis. Vale a pena ler a legislação americana nesta matéria. Ao seu olhar, haveria de lhe parecer socialista.
Temos o habitual erro de tomar a parte pelo todo. O facto de os países ocidentais (particularmente os EUA) serem mais liberais não significa que toda a legislação e actos dos respectivos governantes o sejam.
Como refere Israel Kirzner em "Ludwig Von Mises: The Man and His Economics " sobre o monopólio:
"In the mainstream neoclassic economics, the idea of monopoly has came to mean a market in which a selleras a certain control over his price, reflected in his being confronted by a demand curve for his product that is less than perfect elastic (ie not horizontal but downward sloping). [...] To the extent that a seller is indeed a monopolist, his price is not determined by competition but by his own profit-maximizing calculation.
[...]
For [Ludwig Von] Mises, however, the notion of monopoly (...) is rather different.
[...]
Instead it must be defined in terms of the obstacles to entry that protect the monopolist from the competition of others. In the absence of governmentally granted monopoly priviliges, Mises found only one source of such obstacles to entry to be possible: the possibility that one seller controls the entire supply of a particular scarce resource that is of great importance to a particular branch of production.
Logo, o cerne de uma verdadeira política que procura evitar os abusos monopolísticos deve ser, não impedir a sua constituição, mas garantir a inexistência de barreiras à entrada nos mercados. Como bem lembra Mises essas barreiras são, na maior parte das vezes, criadas por vias administrativa (veja-se o caso das farmácias).
Se bem me lembro, durante alguns anos, antes de ser aprovada a célebre lei da rádio o panorama radiofónico nacional era bastante liberalizado. Existiam as célebres "rádios livres" que o Governo tolerava. Qualquer um podia criar uma rádio. A escolha dos objectivos (lucrativo ou apenas por ludico) e programação era da inteira responsabilidade dos seus donos. A única barreira à entrada era o custo do equipamento (que variava conforme a qualidade e o alcance desejado). Não me recordo de, na altura, serem levantados os problemas da "diversidade" ou "monopólio". Com a aprovação da lei da rádio o panorama alterou-se significativamente. Para se poder emitir era necessária uma licença (com um custo) e obedecer a determinadas regras de programação. Dado que a oferta foi administrativamente limitada tornou-se necessário introduzir limites ao numero de rádios que uma mesma empresa, ou individuo, podia deter.
A segunda crítica (a primeira aliás) que me faz DO é a seguinte:
1. Ao contrário do que pensa, as frequências radiofónicas não são de ninguém, são um bem público que, por isso, só pode ser utilizado a partir de emissão de licença do Estado. Quem não as usa, perde-as. Por isso, não, nenhuma empresa pode fazer o que entender com um bem que não lhe pertence, até porque não o comprou.
Como já referi no ponto anterior esse problema só se coloca porque o mercado se encontra administrativamente limitado.
Como referem José Manuel Moreira e André Azevedo Alves em "O Que é a Escolha Pública?":
Os bens públicos puros serão todos aqueles que reunam duas características: a não exclusão e a não rivalidade: por "não exclusão" entende-se a a impossibilidade técnica de, uma vez que o bem em causa esteja a ser fornecido impedir potenciais consumidores de beneficiar dele. Por "não rivalidadade", refere-se a situação em que o consumo do bem por um agente não afecta a sua sua disponibilidade para os restantes consumidores. A existência de bens públicos dificulta a sua provisão através do mercado devido aos problemas do free rider, ou seja, da existência de incentivos a que os individuos usufruam do bem sem suportar os seus custos. Dada a não rivalidade e a não exclusão esses bens teriam um grau subóptimo de produção (ou não seriam sequer produzidos), uma vez que cada individuo não se revelaria disposto a pagar por ele, na expectativa de obter os benefícios dos bens em causa "à custa" dos restantes indivíduos.
[...]
[A] necessidade de o Estado regular a concorrência tem de partir da demonstração da existência de externalidades negativas [ie quandos os efeitos da normal actividade de um agente prejudicam outros] de forma associadas ao livre funcionamento do mercado. Por outro lado só é possível defender a regulação da qualidade pelo Estado na medida em que seja provado que esse serviço (a regulação) é um bem comum. Assim sendo, embora se justifique estudar os efeitos práticos das várias formas de regulação, não encontramos fundamento para que a necessidade de "regulação" possa , por si só, constituir uma justificação autónoma para a acção do Estado.
O problema de free riding não se coloca dado que não é cobrada (no caso das rádios privadas) qualquer taxa ao ouvinte. As receitas de uma rádio são, na sua grande parte, provinientes de publicidade. O "grau subóptimo de produção" verica-se mas foi criado por imposição estatal. E, para terminar, não vislumbro a existência de qualquer externalidade negativa.
Não quero terminar sem relembrar o que pensa o presidente da FCC (a autoridade americana de telecomunicações) acerca da concorrência neste sector:
"I personally don't think anybody is safe. I don't believe any company currently in communications is so well-structured and tied down that they are guaranteed to be here 15 years from now."
"Amateur inventors can disrupt established companies with new technologies such as wireless phones and instant messaging"
Kids can still come out of a garage with something that blows the pants off of Ivan Seidenberg [o CEO da Verizon Communications - a maior empresa do telecomunicações dos EUA]
"If anybody doubts that big companies can find themselves wiped out, we can go through the history of disrupting technologies. I have a long list of companies once thought invincible."
"It's easy to vilify a corporate mogul. But when you understand you make money producing what interests the public, the argument becomes quite a bit more queasy, doesn't it? Are you really indicting the mogul, or what your countrymen like to watch? The media companies, if they have one sin, is that they're too responsive,"
A dimensão relevante e o respectivo poder de mercado de uma empresa no sector das telecomunicações é, portanto, bastante relativa.
Peço desculpa pelo tamanho do post.
posted by Miguel Noronha 8:45 da tarde
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