O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

O Intermitente
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quinta-feira, maio 27, 2004

O Relatório da AI

No Público, José Manuel Fernandes crítica o relativismo e a politização do último relatório da Amnistia Internacional.

O que faz a credibilidade de organizações como a Amnistia Internacional é a sua independência e a sua capacidade de julgamento sem pressupostos políticos. O que faz ou o que fazia. De facto, o que se pode dizer de uma organização que ontem declarou que a situação de direitos humanos no mundo em 2003 foi a pior dos últimos 50 anos? Ou que perdeu a memória ou que está obcecada com uma pequeníssima parte da realidade.

Nos últimos 50 anos, ocorreram genocídios como o do Ruanda; durante décadas, houve União Soviética e o "goulag"; na China, dezenas de milhões de pessoas morreram em operações como as do "Grande Salto em Frente" ou na "Revolução Cultural"; na América Latina, houve períodos onde as democracias se contavam pela palma de uma mão e as ditaduras dominavam, da Argentina a Cuba, do Chile ao Brasil; a Indonésia de Suharto praticou crimes sem nome; no Camboja, reinou um senhor chamado Pol Pot; e tudo isto, ou boa parte disto e muito, muito mais, ao mesmo tempo.

Face a este breve recordatório, como pode a Amnistia considerar que em 2003 "governos e grupos armados colocaram os direitos humanos e a lei humanitária internacional sob a maior pressão dos últimos 50 anos"? Há apenas uma explicação: aquela organização - que durante a guerra fria era das poucas que mantinha independência em relação aos dois blocos - passou a preocupar-se demasiado com fazer política. Ou, pelo menos, com dar opiniões sobre política.

Por isso, num mundo em que 22 milhões de pessoas vivem num imenso campo de prisioneiros onde morrem à fome, como a Coreia do Norte, num planeta não existe uma só democracia no mundo árabe, numa época onde na China qualquer direito humano não é mais do que uma palavra vã, toda a ênfase vai para as acções dos Estados Unidos, que são avaliadas com base na visão política própria da actual direcção da organização.

É assim que, num relatório onde nos acostumámos a encontrar sobretudo factos, lemos logo na introdução uma opinião: "A agenda de segurança global promovida pela Administração dos EUA está desprovida de visão e de princípios. Ao violar direitos a nível nacional, ignorando os abusos a nível internacional e recorrendo à força militar em ataques preventivos quando e onde lhe apraz, a Administração dos EUA tem vindo a lesar a justiça e a liberdade e tornou o mundo um local mais perigoso." Pode concordar ou discordar - mas precisamente porque é uma opinião não tem o valor dos factos objectivos.

É natural, saudável e desejável que se exija de uma democracia mais respeito para com os direitos humanos e se seja mais vigilante em relação ao abusos cometidos pelos seus agentes, isoladamente ou em grupo. Mas é bom ter noção das proporções - e quem olhar para este relatório da Amnistia pensará que os abusos cometidos por soldados americanos, abjectos e gravíssimos, na prisão de Abu Ghraib, foram piores que os assassínios em massa que aí praticava o regime de Saddam. Ou seja, deixa de haver noção das proporções.

Um relatório da Amnistia que denunciasse os mesmos factos que este denuncia - e bem -, mas que se abstivesse das sentenças políticas e tivesse a noção das proporções seria da maior utilidade. Assim, será desvalorizado por todos os que suspeitem que o relato dos factos foi influenciado pelas opiniões da introdução.


posted by Miguel Noronha 11:15 da manhã

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"A society that does not recognize that each individual has values of his own which he is entitled to follow can have no respect for the dignity of the individual and cannot really know freedom."
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