O Intermitente<br> (So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

O Intermitente
(So long, farewell, auf weidersehen, good-bye)

sábado, novembro 08, 2003

Cunhal no Independente

A edição de ontem d'O Independente contém uma série de artigos "comemorativos" do 90º aniversário de Álvaro Cunhal (AC). Pretendia apenas deixar algumas notas sobre os mesmos.

O artigo de Rui Ramos ("O Fracasso Polítco do Dr. Cunhal") tem à partida o mérito de pretender olhar para AC como um ser humano que comete erros e não como um personagem mitológico. Rui Ramos apresenta os sucessos de AC mais como uma sucessão de circunstâncias históricas do que como mérito do próprio.

No mesmo artigo apresenta uma interessante tese sobre a razão do aumento da influência do PS (leia-se Mário Soares) e da consequente diminuição da mesma por parte do PCP. Segundo esta o PCP teria optado por "trabalhar" as cupulas do MFA enquanto o PS optou pelo "trabalho de rua". Como resultado a influência do PCP junto dos militares então no poder não correspondia ao ser peso eleitoral (como se veio a verificar logo nas eleições para a Constituinte). Rui Ramos comete, no entanto, um erro ao mesnosprezar o papel da CGTP que era o principal aliado dos comunistas na tentativa de mobilizar "a rua".


Em "A Obra ao Vermelho", Pedro Mexia (PM) desconstroi o mito de Álvaro Cunhal enquanto escritor. Para PM é possível conhecer alguns aspectos da personalidade de Cunhal através dos texto. Queria, neste ponto, relembrar um excelente (como quase todas) crónica de Vasco Pulido Valente (VPV) ("Até Amanhã Camaradas) originalmente publicada n'O Independente em 1991 e republicada no livro "Retratos e Auto-Retratos". Nesta VPV, numa altura em que ainda não tinha sido revelada a verdadeira indentidade de Manuel Tiago, a partir da leitura do livro que dá nome à crónica traça uma retrato de Álvaro Cunhal.
posted by Miguel Noronha 2:47 da tarde

sexta-feira, novembro 07, 2003

Velha Lenda

Artigo de Olavo Carvalho n'O Globo:

Embora quase nunca mencionada pela mídia brasileira, a nova onda global de anti-semitismo é motivo de grave preocupação no mundo civilizado. Livros como o da líder feminista Phyllis Chesler, "The New Anti-Semitism", ou o artigo de Daniel J. Goldhagen sobre ?The Globalization of Anti-Semitism?, são comentados em toda parte, e a revista "Whistleblower" consagrou ao assunto a sua edição inteira de outubro. Em artigo no "Monde", Eric Marty, professor de Literatura na Universidade de Paris, acusou o governo francês de cumplicidade com a epidemia de violência antijudaica. E na Inglaterra, informa o Jewish Post, "o anti-semitismo está vivo e passa bem", agora patrocinado até pela TV oficial, a BBC.

O fenômeno, que parece não ter limite geográfico, começou a dar na vista a partir da conferência de Durban e teve seu momento mais espetaculoso nos movimentos "pacifistas" que se seguiram ao 11 de setembro.

Em episódios como esses, a aliança da esquerda com grupos neonazistas em apoio ao anti-semitismo islâmico só surpreende a quem, em vez de conhecimentos históricos, tenha na cabeça a velha lenda do "antinazismo" esquerdista, criada por Stalin para encobrir a colaboração entre os dois regimes totalitários, que não começou no Pacto Ribentropp-Molotov de 1939 mas no dia mesmo da eleição de Hitler em 1933, e sem a qual o poderio nazista jamais teria crescido como cresceu.

Hoje isso é tão conhecido que já não suscita discussão entre historiadores. Mas a versão publicitária comunista é a que prevalece ainda na nossa mídia e, sedimentada no fundo da memória coletiva, falseia toda a visão popular do assunto. Nessa visão, quem quer que se oponha ao unanimismo esquerdista, mesmo quando este se alia com neonazistas contra o Estado de Israel, já é "ipso facto" um nazista. E quem quer que apóie Yasser Arafat no seu intuito de varrer os judeus do Oriente Médio pode fazê-lo a salvo de suspeitas de anti-semitismo, já que está santificado pela imersão nas águas lustrais da lenda stalinista. Esses são os critérios subjacentes em praticamente tudo o que se diz neste país sobre o Oriente Médio. Quem pode discutir a sério uma questão em que o apego psicótico à mentira já mil vezes desmoralizada se tornou o critério geral e único de avaliação dos argumentos?


Nota: ainda sobre o tema do "moderno" anti-semitismo aconselho vivamente a leitura do artigo de João Pereira Coutinho n'O Independente de hoje.
posted by Miguel Noronha 7:59 da tarde

Ainda as Propinas

Estranho (ou se calhar não devia...) a indignação dos habituais blogues de esquerda. Qualificam a decisão do Senado da UC que, aproveitando a ausência dos estudantes (a uma reunião que eles sabiam que se iria realizar) estipulou o valor das propinas, de "vergonha". Ainda há pouco tempo não se mostraram minimamente incomodados quando os "estudantes" numa rara manifestação de civismo invadiram as reuniões anteriores para impedir que esta esta decisão fosse tomada.

Enfim, ironias...
posted by Miguel Noronha 4:09 da tarde

O Homem às Sextas

Duvido que já esteja disponível, mas não percam a crónica de Alberto Gonçalves no Correio da Manhã. Ele diz tudo o que eu queria dizer (e não consegui) sobre as propinas.

ACTUALIZAÇÃO: o artigo está aqui.
posted by Miguel Noronha 3:31 da tarde

Há Dias Assim

Um qualquer e chato problema impediu-me, até agora, de aceder à net. Vamos ver se ainda consigo recuperar o tempo perdido...
posted by Miguel Noronha 3:22 da tarde

quinta-feira, novembro 06, 2003

Leitura Obrigatória

No Contra a Corrente o combate Vargas Llosa vs. Resistir.info. Resultado ao intrevalo: 10-0.

posted by Miguel Noronha 4:53 da tarde

Descoordenação

É verdade, Luciano. A notícia era boa demais para eu a ignorar.

Proponho que organizemos uma escala. O líder da nossa oposição (não estou a falar do Louçã!) não parece ter nenhum dia específico para proferir aquelas declarações que animam os nossos blogues e julgo que a escassez de "material" também não será problema. Desta forma evita-se a duplicação de posts e que no do Largo do Rato passem o tempo todo na internet à cata de posts. Pode até ser que arranjem tempo para descobrir para onde e porque lhes fugiram os eleitores.

Julgo que desta forma ninguém sairá lesado.

Mas pelos vistos o problema está mais disseminado do que se pensa. Ainda hoje o Jaquinzinhos se queixou que Álvaro Cunhal lhe roubou um post. Já não se pode confiar em ninguém!
posted by Miguel Noronha 3:54 da tarde

Compra Recomendada

"The Future and Its Enemies" de Virginia Postrel.

Eis uma critica que saiu na Ideas on Liberty aquando so seu lançamento.

If I have any criticism of this exceptional book, it is that the wake-up call isn?t even louder and longer. It would have had a stronger impact had it gone into more detail on instances of stasist obstructionism. But of course, you can?t say everything in a book. The Future and Its Enemies is, in my opinion, the most important book of the year. It needs to be widely read and discussed.


Podem consultar uma sinopse e excertos dos primeiros capitulos aqui
posted by Miguel Noronha 2:29 da tarde

Encarar a Realidade

Um dos colunistas do Arab News, perante as evidências, alterou a sua posição quanto à intervenção no Iraque.

One need offer no apology for saying that the supreme virtue of this war is that Saddam Hussein was gotten rid of. Period. The very man who had established arguably the closest approximation of a genuine fascist state in the Arab world, that sustained itself on fear, repression, genocide, cult of personality and wanton murder - a state whose law was that those who rule are the law.

One doesn't become a revisionist in a vacuum. I pore over material from various media sources about the mass graves unearthed all over Iraq, particularly those discovered in uncounted pits in the south, where Saddam had crushed a rebellion there in 1991 with genocidal ferocity, and I turn away in nauseated disbelief. Then there's the UN Special Rapporteur's September 2001 report about the execution of 4,000 prisoners at Abu Ghraib?s prison in 1984, and 3,000 others at the Mahjar prison between 1993 and 1998. And you ask how a regime could become so monstrous, so whisked clean of human decency.

(...)

[T]he US may, just may, end up doing in Iraq what it did in war-ravaged European countries under the Marshall Plan. And if it doesn't, well, what would Iraqis have lost other than the ritual terror of life under a dictator who had splintered their society into raw fragments of fear, hysteria and self-denial - a man who insisted that third graders learn songs whose lyrics lauded him with lines such as "when he passes near, the roses celebrate".

No, I don't believe that by going to war, America had dark designs on Iraq?s oil or pursued an equally dark conspiracy to "help Israel". I believe that the US, perhaps willy-nilly, will end up helping Iraqis regain their human sanity, their social composure and the national will to rebuild their devastated nation.

And no, it's not too early to adopt a revisionist view of the US war in Iraq, or too late for a columnist to say he was wrong all along.

posted by Miguel Noronha 11:58 da manhã

Ferro Rodrigues não se vai demitir

Consta que esta declaração foi recebida efusivamente em São Bento.
posted by Miguel Noronha 11:03 da manhã

Comércio e Concorrência

Segundo uma notícia do DN a nova lei que regula a atribuição de licenças às grandes superfícies comerciais propõe a "descentralização das decisões, a defesa dos consumidores e o aumento da concorrência e da competitividade. O novo regime das Unidades de Comércio de Dimensão Relevante prevê a criação de taxas para a concessão de licenças, verba que será canalizada para dinamizar o pequeno comércio ".

Não tendo qualquer outro conhecimento deste regulamento vou apenas comentar a notícia em causa.

A descentralização do processo de decisão é, normalmente, uma medida acertada. Não sei qual será o mecanismo de decisão pelo que me fico por aqui nesta questão. Espero que neste não esteja incluido a obrigatoriadade de um parecer (ainda que não vinculativo) das associações de comerciantes (ie a concorrência).

Não conheço melhor forma de "defesa dos consumidores" do que o "aumento da concorrência e da competitividade". Parece-me que o primeiro objectivo é redundante. Palpita-me que este venha a constituir um fonte de barreiras à entrada com o beneplácito dos interesses instalados.

Por ultimo a "criação de taxas para a concessão de licenças, verba que será canalizada para dinamizar o pequeno comércio" é profundamente errada. Estamos assim a distorcer o mercado beneficiando uma parte da concorrência (no caso especifico o ?pequeno comércio) à custa de outra (as grandes áreas). Se o "pequeno comércio" perde clientes é devido às preferências dos consumidores . A magnitude desta distorção dependerá do seu montante.
posted by Miguel Noronha 10:05 da manhã

Cunhal pt III: O Artigo

Podem encontrar aqui o artigo completo.
posted by Miguel Noronha 9:04 da manhã

Cunhal pt II: The Legacy

A propósito do infame artigo de Álvaro Cunhal o Picuinhices refere que o mais trágico é a existência de delfins do líder histórico do PCP.

Eu iria mais longe. As famosas declarações de Benardino Soares sobre a Coreia do Norte, o artigo de Ruben Carvalho a defender a execução dos dissidentes cubanos e a apologia de Estaline publicada no Avante (cujo o nome do autor me escapa) não foram apenas incidentes isolados.

Eles constituem a herança de Cunhal. O PCP sem Cunhal continua a manter o seu legado. Aqueles que tiveram a ousadia de contraiar o discurso do Grande Líder já sairam ou estão em vias de o fazer. De forma voluntária ou forçada.

O PCP é gerido por uma gerontocracia que se recusa a acreditar na realidade. As suas crenças são geridas como se de uma religião se tratasse e as heréticos são condenados às chamas.
posted by Miguel Noronha 8:54 da manhã

quarta-feira, novembro 05, 2003

Capitalism Magazine: Achievements and Their Causes

Thomas Sowell escreve sobre o novo livro de Charles Murray:

Once we understand that achievements are not random and never have been, the question that arises is: What causes so much more achievement in some places than in others, at some times rather than others, and among some individuals and groups more than others?

Charles Murray's answers to these big question are too long for a column and can be found in the book. But just to have established a basis for such questions is a major contribution.

Let us not forget that we live in a time when a failure to have a random distribution of individuals and groups in the workplace or on an academic campus is regarded as a sign of bias or discrimination. The very thought that groups might differ among themselves in the required skills, attitudes and performances is anathema to many in academia, the media and even the courts.

This study of landmark achievements is itself a landmark achievement. If it does no more than get people to think about things that have been accepted as social dogmas, that will be a major contribution.

posted by Miguel Noronha 6:17 da tarde

Cunhal (via Barnabé)

Segundo o Público ,no Avante de amanhã, Álvaro Cunhal (AC) publicará um artigo que faz parte de uma declaração que será apresentada no Uruguai, em Dezembro, no encontro da Fundação Rodney Arismendi. Eis o essencial da notícia:

Cunhal afirma que depois da "acção terrorista de 11 de Setembro, os Estados Unidos responderam fomentando organizações e acções terroristas, desencadeando agressões e guerras que vitimam igualmente milhares de civis. Proclamando serem os campeões da luta contra o terrorismo, os Estados Unidos tornaram-se a principal força do terrorismo mundial".


Gostava que AC explicitasse quais as "organizações e acções terroristas" que os EUA fomentaram mas é sempre mais útil (sob pena de a sua argumentação cair por terra) não apresentar factos.

Por outro lado covenientemente esquece-se que os alvos das acções militares desencadeadas pelos EUA (e fica sempre bem esquecer igualmente os restantes aliados) eram promotores do terrorismo.

No encontro deste ano, em que se discutirá os problemas e a "luta libertadora" da América Latina, Álvaro Cunhal insiste que a "ofensiva global do capitalismo" não é irreversível e aponta cinco "forças capazes de impedir que o imperialismo alcance o seu supremo objectivo".

"Primeiro, os países nos quais os comunistas no poder [China, Cuba, Vietname, Laos e Coreia do Norte] insistem em que o seu verdadeiro objectivo é a construção de uma sociedade socialista. Apesar de por caminhos diferenciados, complexos e sujeitos a extremas dificuldades, é essencial para a humanidade que alcancem com êxito tal objectivo", refere Cunhal.


Pelos vistos AC mantêm a coerência que o tornou famoso. O problema é que esta coerência é, no mínimo, chocante.
posted by Miguel Noronha 5:26 da tarde

Um Passeio à Capital

Hoje estima-se que cerca de 7.000 estudantes do Ensino Superior Público, vindos de todos os pontos do país, se desloquem a Lisboa para mais uma jornada de luta contra as propinas.

Um evento desta envergadura não é isento de custos. Só a AAC estima ter gasto cerca de 7.500 euros (segundo confessou o seu presidente à TSF) para que este empreendimento chegasse a bom porto. Os participantes certamente terão de despender mais algum do seu bolso a fim de tornar mais amena a estadia na capital.

Pergunto-me se este dinheiro não seria melhor gasto de outra forma. Por exemplo, para pagar as propinas. Mas não, não é preciso. Para isso existe o Estado que lhes deve garantir uma educação gratuita e de qualidade (já agora pergunto se a nossa exigência de qualidade se estende a tudo o que gratuito). O seu dinheiro não deverá ser gasto aí.
posted by Miguel Noronha 4:58 da tarde

O Intermitente: Um Blogue Conhecido em Portugal e no Mundo

Para provar que a popularidade d'O Intermitente é verdadeiramente global refiro que no curto espaço de um dia recebi hits de sítios tão dispares como o Sport União Sintrense e da New Yorker.

Refiro igualmente que é com apreço que quase todos os dias recebo mails de um nigeriano que me oferece um negócio milionário e de uma cigana brasileira que me pretende ler a sina.

Nota: pelo título não pretendo insinuar que Portugal não faça parte do mundo
posted by Miguel Noronha 3:03 da tarde

POR UMA SOCIEDADE SOCIALISTA

O Cataláxia faz uma ousada proposta para resolver de vez os problemas (e a agitação que se vive) no Ensino Superior Público.

[T]endo em vista uma sociedade verdadeiramente socialista, onde se cultive a fraternidade universal. Portanto, sugerimos uma medida vital: que os engenheiros, médicos, advogados, professores, enfim, que todos os licenciados pelo sistema gratuito de ensino superior público trabalhem inteiramente de graça, nos seus primeiros quatro ou cinco anos de actividade profissional, conforme a duração dos seus cursos! Isto é, que não cobrem um único cêntimo aos cidadãos contribuintes, que lhes pagaram os estudos, pelos serviços que lhes venham a prestar em igual período de tempo que demoraram a obter as suas licenciaturas.
Assim, sim! Daríamos um passo firme e decisivo rumo ao socialismo.


Onde é que eu assino?
posted by Miguel Noronha 2:21 da tarde

A Cura Que Mata o Paciente

Áqueles que prescrevem o aumento dos gastos do Estado como forma de combater a recessão aconselho a leitura do artigo "Reflation in American History".

Since the early seventeenth century, American governments (colonial, state, and federal) have tried and failed to restart business expansions by reflation. That is, they have tried to revive an inflation-driven economic boom that has stalled or collapsed by pumping new money into the system. In other words, they have tried reflating as the cure for the evils introduced by inflating. They have not yet succeeded in skipping over the inevitable contraction of the business cycle, but they have succeeded in worsening its severity and length and delaying sound recovery.

posted by Miguel Noronha 12:00 da tarde

Efeitos do Messianismo

Artigo de Olavo de Carvalho


Todos os messianismos modernos -- hegelianismo, marxismo, positivismo, nietzscheanismo, teilhardismo, holismo, ecologismo, multiculturalismo, teologia da libertação, progressismo globalista da ONU, etc. -- baseiam-se, em última análise, numa inversão psicótica da percepção do tempo: inventam um futuro hipotético e o tomam como premissa categórica para reinterpretar o passado histórico, abolindo a relação lógica do necessário e do contingente. Quando o futuro chega e a divindade anunciada não aparece, seja ela o Príncipe de Maquiavel, a sociedade sem classes, o Super-Homem ou o reinado de Gaia, começam as "revisões" que modificam o sentido da doutrina originária para transfigurar o vexame em alimento de novas promessas messiânicas, as quais então se sucedem num florescimento inesgotável. Inesgotável como a estupidez humana.

Estou escrevendo um livro a respeito e, no material que coletei para isso, o que mais chama a atenção é a facilidade com que inteligências normais e até superiores, quando arrastadas no turbilhão dos messianismos, se debilitam até à completa inépcia mesmo em raciocínios elementares. Há uma forma especificamente moderna de burrice, que difere da amathia platônica ou da "insensatez" anselmiana. Robert Musil denominava-a propriamente "estupidez" (Dummheit) e a associava ao impulso de fugir do mundo da experiência direta para viver numa "Realidade Segunda" que só existe para o intelectual iluminado, portador do messianismo. Vista de dentro da Realidade Segunda, a estupidez parece sábia. Sua verdadeira natureza só aparece quando a conduta do personagem é confrontada com as exigências do ambiente imediato. Aí a insensibilidade do intelectual iluminado à realidade da vida revela-se de um grotesco exemplar.

Lucien Goldmann, discípulo de Georg Lukács e um dos mais brilhantes intelectuais marxistas dos anos 60, estava certa vez num debate com Eric Voegelin. O autor de Order and History explicava sua tese de que as ideologias revolucionárias modernas são gnosticismos imanentistas, isto é, propostas loucas de que a eternidade vai se materializar, logo adiante, num capítulo da História. Goldmann, indignado, exclamou que o socialismo, para ele, era "uma experiência religiosa perfeitamente autêntica". O historiador Jacques Madaule, que mediava o debate, desconversou rapidinho, poupando Goldmann de ser apontado como exemplo vivo da tese do adversário.

Mas a estrutura íntima do pensamento marxista, uma vez introjetada, não pode mesmo deixar de jogar a mente mais engenhosa numa sucessão de atos falhos freudianos que denunciarão o seu mau funcionamento de base.

Recentemente, um professor da Faculdade de Direito da USP, Alysson Leandro Mascaro, escrevendo na revista Carta Capital, apontava como raiz dos nossos males o patrimonialismo estatal descrito por Raymundo Faoro em Os Donos do Poder e, no parágrafo seguinte, deduzia daí uma condenação, não às políticas estatizantes e socialistas que a esquerda sempre defendeu, mas... ao liberalismo!

Outro professor de Direito, este da Unicamp, Márcio Bilharino Naves, inspirado no jurista marxista Evguenii Pachukanis (teórico da abolição imediata do Estado após a revolução comunista), dizia achar um absurdo o conceito burguês do "cidadão" universal abstrato, despojado de suas peculiaridades concretas (condição de classe econômica, por exemplo), mas, ao mesmo tempo, denunciava a maldade dos regimes burgueses que restringem o direito de greve às reivindicações econômicas, aprisionando o cidadão na sua identidade de classe profissional e não lhe permitindo fazer greves políticas, isto é, greves de cidadãos universais abstratos...

Do ponto de vista prático a questão é irrelevante, pois, políticas ou não, as greves só existem na sociedade "burguesa", enquanto no socialismo são punidas com prisão ou morte. Mas, como ilustração do loop lógico messiânico, é altamente didática.

Não se deve acusar esses raciocínios de simples erros de lógica. Seria um desrespeito a seus autores, homens inteligentes. O problema deles não é de raciocínio: é de percepção. Se prestassem atenção ao mundo da experiência vivida, veriam que não é como o imaginam. Mas só o vêem através do espelho profético do mundo futuro, e aí ele fica parecendo uma daquelas telas de Escher em que uma mão se desenha a si própria ou uma escada em caracol termina de volta no primeiro degrau. Quer você chame isso de "dialética", de "holismo", de "enfoque sistêmico", de "desconstrucionismo" ou do que quer que seja, uma coisa é certa: o caso é grave.

Não se trata, é claro, de uma psicose no sentido literal do termo. Alguns dos melhores estudiosos do assunto, como Henri de Lubac, Albert Camus, Norman Cohn e Eric Voegelin, enfatizam o caráter puramente espiritual da enfermidade, que pode se manifestar em almas cujo funcionamento permanece normal fora do horário de expediente acadêmico. Qualquer que seja o diagnóstico, porém, nenhum dos afetados pela doença tem a mínima consciência da sua anomalia, mas todos sentem, por causa dela, um profundo descontentamento com a realidade em que vivem: como esta jamais se comporta da maneira que esperavam, acreditam que o erro é dela e abominam ainda mais o mundo presente e passado, recusando-lhe o direito de existir exceto como prólogo irreal da realidade futura. É um mecanismo de retro-alimentação que agrava formidavelmente a maluquice toda.

posted by Miguel Noronha 9:31 da manhã

Simplesmente Bloguitica

O Paulo Gorjão decidiu centralizar as suas actividades. Nasce assim o Bloguitica que se propõe substituir o Bloguitica Internacional e o Bloguitica Intrenacional.
posted by Miguel Noronha 8:39 da manhã

terça-feira, novembro 04, 2003

Escritica Pop

Excelentes notícias! O livro "Escritica Pop", de Miguel Esteves Cardoso, que há muito se encontra esgotado será reeditado em Março do próximo ano.

Quem comprar as edições do Blitz de 30/12 e 06/01 poderá adquirir antecipadamente o livro por apenas 14 euros.
posted by Miguel Noronha 5:59 da tarde

Estudos em Mudança

O Estudos sobre o Comunismo, o outro blogue de JPP anuncia a sua deserção para o weblog.pt.
posted by Miguel Noronha 4:51 da tarde

Israel: The Alternative

O Comprometido Espectador publicou uma contestação aos artigo de Tony Judt tigo na New York Review of Books.

Queria apenas chamar a atenção para um post do Europundits onde Nelson Ascher se dedica à mesma tarefa.
posted by Miguel Noronha 2:59 da tarde

The fallacy of central planning

In 1987, the United Nations Commission on Economic Development defined sustainable development:

?Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs.?

While this seems reasonable on the surface, it raises a crucial question: Who shall decide what development does not compromise the needs of future generations, and how shall the conclusions that are reached be implemented? The fact is, there is no way of knowing what future generations will need or what means will be available to obtain it. As Jerry Taylor of the Cato Institute pointed out not long ago,

?Imagine the economic planner of 1890 attempting to plan for the needs of today. Whale oil for heating, copper for telegram messages, rock salt for refrigeration, and draft horses for transportation and agriculture would all be high on the list of scarce resources he would worry about sustaining 100 years hence.?

If government planners concerned with sustainable growth had the power to regulate and control these things starting a hundred years ago, would they have permitted the airplane, the automobile, the jet engine, the radio, the television, the microchip and the home computer, the ballpoint pen, the compact disk?

Think of the multitude of everyday things, great and small, that we take for granted today and that make our lives safer, healthier, wealthier, and more comfortable. What if each and every one of them had had to pass strict government regulation and planning approval on a wide variety of grounds, including their possible environmental impact on future generations before they could come into existence and use? How many might never have been approved and, if approved, in what forms and in what quantities?

Every day new discoveries are made and new ideas are formulated. That knowledge is rapidly incorporated into the plans and actions of multitudes of millions of people in their production and consumption decisions around the world. And that includes new conceptions of how actions in the present may affect the future. These new conceptions influence the value and the prices of all the marketable goods that can have uses in that future. Thus, tomorrow?s generations are already incorporated into the thoughts and actions of people today. And this is done in a far more flexible, adaptable, and diverse way than it would be if everything had to pass through the approving eyes of political planning boards and regulatory commissions.

What the world needs for sustainable development is greater market freedom, not a continuation and reinforcement of central planning and political control.

posted by Miguel Noronha 12:06 da tarde

A UBL

Está preocupado com uma sinistra organização que engloba vários blogues burgueses?

Suspeita que esta desenvolva actividades contra-revolucionárias?

Acha quer alguns destes blogues não passam de uma versão revista, actualizada e direitista da famosa "Vida Soviética" que você deixou de ler há uns anitos quando aumentou o preço das assinaturas?

Pensa que esta se deve limitar a esporádicas jantaradas devendo-se abster de quaisquer outras actividades (incluindo almoçaradas)?

Confirme todas as suas suspeitas no Contra a Corrente. Depois não diga que não foi avisado das nossas reais intenções.
posted by Miguel Noronha 11:06 da manhã

Portugal no seu real lugar

Esta artigo foi publicao no DN de 01/11 (Sábado) mas só hoje consegui aceder à versão online. Constitui uma resposta certeira áqueles que pretendem a continuição das políticas tax and spend levadas a cabo pelos exectuvos de António Guterres.

Os relatórios de organizações internacionais que, com base em indicadores económicos e sociais estabelecem comparações entre países, têm nos últimos tempos evidenciado uma tendência muito clara: depois de termos conseguidos algumas melhorias, no último ano a posição de Portugal deteriorou-se. Esta semana foi o relatório anual do World Economic Forum, que mais uma vez permite uma leitura negativa da evolução do nosso país. Considero, porém, que neste, como em muitos aspectos da vida, nem tudo o que parece é. E que, em vez de apontarmos estes resultados como algo negativo, devíamos compreender que tal é uma consequência natural e inevitável de correcções que tinham absolutamente de ser feitas.

O leitor certamente já passou por situações em que lhe apetecia, por exemplo, comprar uma casa maior, dotá-la de equipamentos de melhor qualidade ou fazer umas espectaculares férias. São desejos que num momento ou noutro fazem parte do sonho de todos nós. Imagine agora o leitor que, não pensando nas consequências a prazo, de repente decidia concretizar esses seus sonhos.

E hoje até é fácil ceder a essa tentação. Pede-se dinheiro emprestado, de início seria fácil encontrar um banco disponível para nos emprestar dinheiro, e em muito curto espaço de tempo estamos a comprar a casa que queríamos, os equipamentos que ambicionávamos ou as férias que também merecemos. A situação seria contudo artificial. Em breve teríamos de cair na realidade.

O crédito fácil esfumar-se-ia, as dívidas acumular-se-iam e rapidamente descobriríamos que nossa vida tinha sido um engano e que teríamos de, por algum tempo, viver pior do que vivíamos antes de ter cedido à tentação.

Com Portugal passou-se mais ou menos o mesmo. Durante alguns anos o governo do país julgou que se poderia gastar acima das nossas reais capacidades. Isso criou margem de manobra para parecermos o que não éramos.

Naturalmente, em muitos indicadores o país melhorou na comparação com os outros. Mas a situação não era sustentável. Rapidamente surgiram desequilíbrios, o mais visível dos quais foi o déficit das contas públicas. Felizmente, compromissos externos impuseram-nos uma disciplina de que não poderíamos facilmente fugir, impedindo que uma situação como a da Argentina se revelasse neste canto da Europa. Ora, no processo de ajustamento que necessariamente se segue, temos de voltar ao nosso verdadeiro e real lugar, caindo algumas posições nos rankings internacionais.

Mas se nesta primeira fase o governo não tinha muita capacidade de manobra, e até devemos estar agradecidos pela coragem que revelou, agora começa o verdadeiro desafio. É preciso construir e mostrar que se é capaz. O país voltou novamente à realidade, cabe agora ao Governo mostrar liderança e conduzir-nos no sentido de um sucesso sustentado.

posted by Miguel Noronha 9:43 da manhã

Constituição Europeia


O Abrupto e o Mata-Mouros fazem comentários sobre o progama transmitido ontem na RTP sobre o projecto da CE.

Ambos realçam o aspecto da maior parte dos debates "oficiais" se centrarem em questões de pormenor e não na necessidade da existência ou não de uma Constituição.

Destaco este comentário do Mata-Mouros:

[N]inguém fez uma crítica liberal a esta "constituição". Ninguém disse que se está a forjar uma Europa socialista, um super-estado intervencionista, uma máquina de eurocratas, um funcionalismo europeu centralizado.
Apenas timidamente se avançou com a ideia de que a política externa e de defesa comum é uma tentativa descabelada e perigosa do eixo franco-alemão de fazer face à Nato e de criar uma divisão terrível no Ocidente.
Que se estão a adoptar na Europa - muito graças à perniciosa influência francesa - as soluções estatizantes, repristinando-as, que vão sendo rejeitadas internamente em todo o lado, i. é nos Estados que compõem a União Europeia.
Um dos maiores defeitos desta "constituição" é o seu cariz socialista e o seu anacronismo de tentar criar uma "Europa-Providência", depois deste modelo já ter sido ultrapassado pela história.

posted by Miguel Noronha 8:51 da manhã

segunda-feira, novembro 03, 2003

Liberalismos

Este texto de Hayek explica porque é que "liberalismo" pode significar duas concepções antagónicas de sociedade e porque é que "liberal" e "conservador" podem ser sinónimos.

Podem encontrar aqui o indíce do artigo completo que foi incluido no livro "New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas".
posted by Miguel Noronha 5:34 da tarde

Iraque

Fareed Zakaria alerta para os riscos de uma retirada precipitada das forças militares da coligação.
posted by Miguel Noronha 4:01 da tarde

UBL

Cumpre-me anunciar a admissão de novos membros na União dos Blogues Livres.

Após aturadas negociações conseguimos aliciar para a nossa humilde seita Jaquinzinhos, o Comprometido Espectador e o No Quinto dos Impérios.

Desde já aviso os caloiros da UBL para moderarem as despesas pois o próximo jantar será por vossa conta.

Bem-vindos!
posted by Miguel Noronha 2:35 da tarde

Nova Publicação

Está disponível para download (em pdf) a nova publicação da Stockholm Network intitulada "Breaking Down the Barriers".

Eis o sumário:

  • Introduction: What does the EU have to gain from increasing trade liberalisation? - David Smith

  • Common Agricultural Policy: Why Europe's Common Agricultural Policy hurts the poor in the developing world - Prasanna Srinivasan

  • Why CAP is too high a price for Europe to pay - Javier Martinez Arevalo

  • Is the CAP really as damaging as it seems? - José Fonseca

  • Regulation and the Precautionary Principle:Does Europe's precautionary regulation hinder trade
    and development? - Martin Livermore

  • Why has Europe become so risk-averse? - Bill Durodié

  • Parallel Trade and Intellectual Property Rights:Patently wrong - Philippe Legrain

  • Patently right - Julian Morris

  • Why we would all benefit from reducing Europe's parallel trade in pharmaceuticals - Stephen Pollard
    posted by Miguel Noronha 12:29 da tarde
  • F.A. Hayek: Nova Biografia Intelectual



    No Prestopundit saiba tudo sobre o livro "Hayek's Challenge: Intellectual Biography of F.A. Hayek" de Bruce J. Caldwell que irá ser lançado brevemente.

    Podem ler excertos do primeiro capitulo aqui.

    posted by Miguel Noronha 10:07 da manhã

    Lições do Passado

    Ralf Dahrendorf partilha as suas recordações sobre a Alemanha ocupada.

    When I hear Americans such as US National Security Adviser Condoleeza Rice compare the occupation of Iraq with that of Germany (and sometimes Japan) after WWII, distant memories flood in, for I am a child of that experience. Indeed, in the twelve months following the unconditional surrender of Hitler's Nazi regime in May 1945, I lived under serial Russian, American, and British occupation. Sometimes I think of myself as an expert in comparative occupation studies.

    The first conclusion I draw from such experience is this: everything depends on who the occupying power is. When Soviet troops invaded Berlin at the end of April 1945 many of us went into the streets to welcome them. Such enthusiasm did not last long.

    One day, Red Army tanks turned from the main street in our quarter towards the crowd. When the crowd dispersed, the soldiers started looting, raping, and pillaging. This continued for only a few days, but fear of the occupying Soviets never left even as they began to distribute food and set up a rudimentary administration. It soon became clear that they were in fact creating another dictatorship in place of the one they had removed.

    In July, when Americans replaced the Soviets in our Berlin district, this changed. True, my beloved wristwatch (which I had miraculously saved throughout the weeks of Soviet occupation) was taken from me by an American soldier on my way home from school. But it soon became clear that this occupation held out hope of a better future.

    posted by Miguel Noronha 8:55 da manhã

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    "A society that does not recognize that each individual has values of his own which he is entitled to follow can have no respect for the dignity of the individual and cannot really know freedom."
    F.A.Hayek

    mail: migueln@gmail.com